Quando, correndo loucamente, você cai, rola (ou simplesmente cai como uma fruta madura e para) e dolorosamente percebe que quebrou o pé, o que faz? Vai ao médico, engessa, ganha um atestado e, após 15 dias de repouso, volta lindamente à sua vida caminhando sobre aquele pé, agora curado. Permitir que esse período de recuperação ocorra no corpo físico parece natural e admissível, afinal, ver o trauma e sentir a dor torna muito mais fácil aceitar a necessidade dessa pausa. Entretanto, quando o trauma ocorre de forma invisível, no nosso corpo emocional, será que permitimos que essa recuperação ocorra?
Acredito que todos já passaram na vida (ou se não passaram, passarão, não se desespere) por um momento em que, mesmo sem qualquer pessoa tocar a outra, ocorre uma quebra de relação, ou de vontade, ou de desejo, ou ocorre a frustração de uma expectativa muito alta. E, nesse processo, acontece algo tão traumático como o de quebrar o pé: Existe dor, sofrimento, desespero e a necessidade de ir ao hospital "enfaixar" ou "engessar" a parte que se quebrou. Existe também a necessidade de se dar tempo para o corpo regenerar, de maneira que a parte rompida recuperar sua utilização. O que curiosamente não ocorre. Em nossa sociedade, infelizmente, aprendemos tanto a lidar com aquilo que vemos, que esquecemos que o que não vemos é, em geral, mais importante e até mais "palpável".
Perceba, quando passamos pela morte de algum ente querido, existe um trauma claro, quase como uma fratura exposta. A situação da morte nos força a lidar com o fim de uma coisa sem nunca ter-nos sido ensinado abdicar dela. Isso causa muita dor e sofrimento. Com o tempo, o natural é que aprendamos a lidar com aquela perda, mas não costumamos nos dar esse direito. Geralmente, sofremos durante certo tempo, mas sempre estamos nos cobrando estar bem logo após o que consideramos ser um tempo razoável para a cura. E ainda queremos que não haja mais nenhum reflexo ou ligação com aquela situação da qual nos trouxe o trauma.
Infelizmente, diferente do nosso corpo físico, nosso corpo emocional não atua baseado na nossa razão. Quando, por exemplo, tememos andar de skate depois de termos caído quebrado o antebraço uma vez, achamos mediamente aceitável. O detalhe, é que quando nosso corpo físico sofre um trauma e há uma recorrência de dores, basta tirarmos um raio-x e verificamos como o corpo está reagindo àquilo que foi escolhido e aplicado como processo de cura. Quando isso ocorre ao nosso trauma emocional, o comportamento é, geralmente, uma raiva, ou um medo, daquela "energia" ou sentimento ainda se manifestarem e com tudo isso, conseguimos perceber que há algo de errado, mas não conseguimos nos entregar para isso. Há uma continua revolta, como se aquele trauma estivesse muito errado em ainda existir.
Acontece que a realidade é outra. Emocionalmente, somos muito sutis e praticamente imperceptíveis, afinal, conseguimos esconder (em vários casos) desejos, vontades, até medos. Só que não conseguimos não sofrermos as consequências disso. Somos um subproduto do nosso processo emocional e quanto mais inteligência emocional vamos nos proporcionando, mais capazes somos de sermos conscientes (por que sinceramente ter controle aqui é quase uma utopia).
Assim, quando sofrermos traumas emocionais (podem inclusive ser traumas físicos que desencadeiem um processo emocional), que sejamos capazes de dar ao corpo/coração o tempo da recuperação e de perceber que ele tem o direito de nos trazer saudades, dores, tristezas em momentos totalmente sem esperança. Que sejamos capazes de chorar, de derramar tudo aquilo que nos sobra sobre esse trauma, para que não nos falte, no pós-traumático, acolhimento para nos recuperarmos por completo. Só assim poderemos "correr livres" novamente.
Como há muito tempo aprendido, cada dia é "um dia", cada dia "é um corpo", cada dia "uma mente" e cada dia "um coração". Aprender a respeitar este espaço interno de transformação e aceitação é necessário e dolorido, mas rejeitá-lo é talvez muito mais tortuoso e destrutivo. Acreditando que ninguém quer ser torturado, imagina isso acontecendo, tendo você mesmo como carrasco. Melhor não, né?
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
0 comments:
Post a Comment