Friday, August 23, 2013

Inútil

Se existe algo mais inútil que a culpa, por favor, me mostrem. Sejamos realistas, ok? Passamos anos de nossas vidas presos a culpas nossas e alimentando culpas alheias, como desculpas para não vivermos plenamente as nossas coisas e nos movimentando sempre com algo relativamente faltoso. Acho que nunca, de fato, aprendemos a sermos nós mesmos pelo imenso tamanho da caixa que nossa culpa ocupa e para piorar tudo isso, a caixa da culpa está sempre cheia e com isso não percebemos que culparmos os outros são fugas dos derradeiros fardos de nossas próprias culpas, logo, a culpa para com os outros e a nossa, no fundo, são a mesma coisa.

Deixa-me tentar mostrar porque sinto e penso isso. Por anos, eu percebia (e ainda percebo) em muitos amigos, e até mesmo em mim, um grande processo de culpar os pais e as mães por muitos dos ocorridos em que se tinha uma clara dificuldade. Poucos de fato reconheciam valores a si e em seus pais, mas a questão de culpar a geração anterior se fazia mais ativa. Claramente, muitos reconheciam traumas de formas dramáticas e selecionadas para justificar alguns processos e, em especial, para colocar as dificuldades em cima de um pedestal do inalcançável ou do "alcançável-desde-de-que" o que ninguém ou praticamente ninguém reconhecia era o esforço para criar a si. Por vezes, acho que nos esquecíamos do posicionamento de não perfeição de nossos pais, para cobrar-lhes isso, esquecíamos mais ainda da nossa longínqua proximidade à utopia para cobrar isso de nossos pais e mães, mas sempre usávamos isso de escudo. Vivíamos com a sombra dos defeitos dos nossos (as) responsáveis e ainda nos achávamos o máximo de vermos isso e sempre terminarmos com o velho jargão da dotada arrogância adolescente e adulta, "jamais serei assim". O problema é que ao ignorarmos por completo a possibilidade de vermos isso em nós mesmos, mais replicávamos a culpa que colocávamos nas nossas mães e pais para frente e mais igual nos tornávamos.

Quem nunca namorou ou se relacionou de forma visceral ao arquétipo da sombra de algum (uma) dos (as) responsáveis que atire a primeira pedra. Ao crescermos, se vivermos sob a sombra dos nossos progenitores, não procurando mudar o ângulo de visão para encontrar criaturas equilibradas (pais e mães com defeitos e qualidade) tendemos a reproduzir de forma tão visceral que nem questionamos aquilo que está de fato sendo feito. A escola daqueles que nos criam pode parecer invisível a alguns momentos e até anos, mas ela é mais e melhor sedimentada que um bom professor de artes marciais que faz seus discípulos, inclusive, sonharem com seu mestre em momentos de dor. Se não observarmos com cautela, aquela culpa que a sua mãe sempre teve, sob seus olhos, por ter te colocado de castigo num momento errado, vai fazer você colocar de castigo outras pessoas ao seu redor por motivos tão errados quanto pelo simples processo de repetição. Enquanto sua mãe e/ou seu pai não forem humanos aos olhos que se dá a eles, com todas as possibilidades de erro, de acerto e de compaixão, as coisas permanecem difíceis, se sua própria arrogância de perfeição desejada for sempre maior, será aquele que carrega mais culpa, mais fardo para frente e o pior disso tudo é que essa culpa de nada vai servir na sua vida. Ela será sempre um enorme peso morto simplesmente sendo carregado com você a todos os lugares e, claramente, atrapalhando a vida.

Aprender a olhar para nossas mães e pais e reconhecermos neles a nós mesmos, com todos os defeitos e qualidades, cria possibilidades para nos tornarmos melhores adultos, assumindo de fato quem somos, o que temos e o que queremos. Incluindo nesse enorme pacote uma grande redução da nossa inabilidade em alguns feitos deles, que sem querer repetimos, mas que ainda temos o poder de não repetir. Assumir isso faz com que de fato reduzamos aquelas velhas "jamais serei assim" de um jeito mais consciente e menos birrento. Afinal, quando somos capazes de ter compaixão com os nossas mães e pais, avós e avôs, tios e tias, e quaisquer responsáveis, assumimos que muito do que foi aprendido não precisa ser repetido de forma impensada e que as dificuldades que eles, sem querer, passaram para frente e nós carregamos se tornaram outras. Assumir que culpar eles por suas dificuldades e por alguns possíveis traumas causados e que nossa vida não é de outro jeito não leva a lugar algum senão a dor e não reconhecimento de nenhum dos dois lados. Entretanto, assumir que podemos perdoá-los por não serem perfeitos como gostaríamos, que apesar de suas dificuldades podemos amar e abdicar do nosso traumático e infantil antigo reconhecimento, faz com que nossas cicatrizes sejam superadas por nossa própria força, afinal, ninguém quebra um padrão de repetição se não tem compreensão sobre o mesmo, encarar isso como adulto, sem culpa, faz sairmos desse padrão de erros mais antigos que os primogênitos dos nossos primogênitos.

Saibamos mostrar de um jeito diferente do aprendido para com as pessoas responsáveis, de forma carinhosa e não rancorosa, outras possibilidades de um mesmo antigo feito ou padrão familiar, torna o nosso feito mais valoroso e mais bonito. Torna nossa vida mais adulta, pertinente e menos reativa. Uma vida menos reativa é uma vida com mais energia sobrando, afinal, a culpa foi abdicada e toda força usada para carregar ela pode agora, de fato, ser usada de forma transformadora.

0 comments:

Post a Comment