Monday, November 19, 2012

Filtros


Ontem, li a seguinte frase "Mesmo um diamante na lama, continua sendo um diamante".

(Preciso nem falar que o processo começou, certo?)

O que importa, talvez, é que se você prestar atenção com permissão, perceba que, mesmo não gostando de alguma pessoa, de algumas atitudes, de algumas coisas, nem tudo ali é lixo.

Existimos num meio de gostar e desgostar contínuo. Não percebemos em vários momentos que alguém que desgostamos pode fazer algo que apreciamos e vice-versa. Afinal, durante nossa infância, vivemos uma coisa de amor e ódio tão súbitos que quando crescemos esquecemos-nos de desenvolver melhor ou de equilibrar mais perceptivelmente isso. Obviamente, aprendemos à medida que vamos crescendo. Aprendemos que nossa mãe, por exemplo, pode fazer várias coisas que gostamos (aquela deliciosa comida, aquela super organização e tantas outras coisas), mas mesmo assim ela terá coisas que não suportamos e que vamos entrar em um maravilhoso processo de desgosto sobre aquelas ações/atitudes. Quando em família algumas coisas parecem fáceis de serem percebidas. Entretanto, quando entre amigos ou em leituras, a coisas não é tão assim.

Lembro-me de, muitas vezes, ficar impaciente com a minha mãe por ela querer muito que eu lesse um texto que havia sido escrito por um autor que desgostasse ou que tinha uma postura claramente absurda em relação aos meus princípios. Entretanto, hoje, vejo que isso era uma tendência a ser alienada, não me dando a possibilidade de conhecer mais coisas e mais ângulos de visão sobre um mesmo ponto de vista.

Tenho até uma memória em particular. Uma vez, ela deixou sobre a minha cama um texto de um pastor evangélico que falava sobre relacionamentos. Quando eu vi o título do texto (infelizmente não lembro o nome, mas recordo que já me deixava meio "transtornado"), eu fiquei totalmente impaciente. E assim, fui conversar com ela o porquê daquele texto. A resposta veio tão impactante quanto o meu súbito aborrecimento adolescente: "ele está sobre sua cama porque eu gostei muito dele e acho que vale suprimir seu preconceito, seja ele qual for e se dar ao trabalho de ler". Mesmo aborrecido, li o texto. E pela primeira vez, vi um pastor evangélico ser extremamente coerente, especialmente quanto a relacionamentos e quanto às percepções de reciprocidade. Naquele momento, eu percebi que havia em mim um preconceito. Um desgostar necessário só por ele vir de um mundo que eu tinha muita dificuldade de compreender. Mas, diante de tudo que havia lido, eu não poderia continuar com a minha "dificuldade" ou preconceito. Afinal, sejamos coerentes, preconceituosos eventualmente podemos ser, mas devemos trabalhar para não mais sermos. Agora, ser burro, jamais.

Ao término do texto, eu já nem lembrava que ele era pastor. Era apenas um bom escritor e então percebia, além de tudo, que muito do nosso desgostar vem de um conjunto de padrões de coisas que não consideramos positivas. Esquecemos que ali há um ser humano com defeitos e qualidades que pode nos ensinar muito (independente da idade, do processo ou do movimento).

Precisamos de um filtro para poder aprender a ouvir de verdade e tirar o que há de melhor, seja de onde a fala venha, e aprender com isso a enxergar além. O lance é que se você observar, uma pessoa homofóbica deveria ser proibida de gostar de Cazuza, por exemplo, mas aqui, aprendemos rapidamente a ignorar o cantor e apreciarmos a sua obra. Quando estamos falando de literatura, isso fica um pouco mais difícil, pois o tempo necessário à digestão é maior. E quando colocamos esse panorama para as relações, o peso vai muito além. É quase como se a música fosse um suco, a literatura, uma salada e as relações, como uma feijoada de domingo que você começou a dar garfadas sobre o apetitoso feijão às 11h e foi terminar só às 17h. Só que, se considerarmos o filtro, talvez já tenhamos tomado medidas prévias a tudo isso, como tomar um chá para ajudar a digerir, ou outras coisas nesse sentido. Criamos panoramas de possíveis entendimentos e aceitação de algumas coisas, mas ainda pecamos e MUITO no quesito dar crédito a quem não gostamos. Por isso, "mesmo um diamante na lama continua sendo um diamante". E que jamais esqueçamos. Até para discordar, precisamos ouvir. Até para ajudarmos a pensar diferente, precisamos ter entendido o outro.

O valor do filtro, em tudo, é muito bom. Afinal, ter atenção sobre o que se faz, nos possibilita agir com (ou contra) as atitudes que se tem como padrão e mais maravilhosamente, ter força sobre a percepção de problemas que, por vezes, criamos sem nos darmos conta. E aqui, deixo uma reflexão, que veio de muito tempo e vale para um todo sempre, da minha mãe: "acho que vale suprimir seu preconceito, seja ele qual for, e se dar ao trabalho de ler".


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